“O Getsêmani era um jardim. Num
jardim começou o inverno existencial de cristo. Não havia lugar melhor onde ele
pudesse ser preso. Aquele que fora o mais excelente semeador da paz tinha de
ser preso num jardim, e não na aridez de um deserto. O jardineiro da sabedoria
e da tolerância foi preso no jardim do Getsêmani.
Getsêmani significa azeite. O
azeite é produzido quando as azeitonas são feridas, esfoladas e esmagadas. Lá
no Getsêmani, aquele homem dócil e gentil começaria a ser ferido e esmagado por
seus inimigos.“
“Cerca de 9 a 12 horas antes de
ser crucificado, Jesus se encontrava no Jardim do Getsêmani. Estava ofegante,
taquicardíaco. Seus pulmões procuravam mais oxigênio. Ele havia predito quatro
vezes como morreria. Agora se preparava para a longa noite de escárnio,
deboches e acoites e, em seguida, para a crucificação.
Bebia seu cálice amargo na mente.
Tinha que se equipar para suportar o insuportável. O estresse foi tão intenso
que foi vítima de um caso raríssimo na medicina: os capilares sanguíneos
romperam-se, extravasando hemáceas junto com o suor. Só Lucas, biógrafo que era
médico, descreveu com um acurado olhar clínico.
O mais tranqüilo dos homens
vivenciou o mais alto patamar da ansiedade, gerando uma reação depressiva
momentânea e intensa. Todas as células do seu corpo clamavam através dos
sintomas psicossomáticos para que ele fugisse da cena. Mas ele permanecia. Seu
desejo? Fazer a vontade de seu Pai.
Jesus estava no apogeu da fama.
Se quisesse ser um herói religioso, deveria esconder seu drama, camuflar sua
fragilidade. Mas, ao contrário da maioria dos líderes religiosos, ele chocou a
psiquiatria e a psicologia clínicas. Chamou três discípulos, Pedro, Tiago e João,
e teve a coragem e o desprendimento de dizer-lhes que sua alma estava
profundamente deprimida até a morte.
Sabia que Pedro o negaria e que
os dois irmãos, Tiago e João, o abandonariam. Mesmo assim abriu-se com eles,
foi honesto, transparente. Ensinou-nos assim a agir da mesma forma, mesmo
quando as pessoas nos decepcionam. Ensinou-nos a não viver isolados. Devemos
sempre abrir nosso coração com alguns amigos. “...
“Gostamos de repartir o sucesso,
mas somos péssimos para compartilhar os fracassos, os temores, as angústias. As
sociedades modernas tornam-se fábricas de pessoas que simulam suas reações.
Grande parte dos sorrisos são disfarces.
‘Foi nesse clima que Jesus, horas antes de morrer, viveu intensamente
um dos pensamentos mais vivos da oração do Pai-Nosso: “Faça-se a Tua vontade
assim na terra como no céu’ Esse é o décimo sétimo segredo dessa oração,
Jesus clamou ansiosamente: ‘Pai, afasta de mim este cálice, mas não se faça a
minha vontade, mas a Tua vontade.”
A vontade do seu Pai estava em
jogo. Se ele quisesse, sua vontade prevaleceria. Deus só aceitaria um
sacrifício de amor, um ato único e espontâneo.
No Jardim das Oliveiras, Jesus
viveu o que pregou no Sermão da Montanha. É significativo. As azeitonas são
prensadas para produzir um rico azeite. O Mestre da Vida foi prensado pela dor
para recriar a memória de Deus.
Jesus não era um suicida. Raramente
alguém amou a vida tão intensamente quanto ele, mas, desobedecendo ao clamor de
bilhões de células que produzem sintomas psicossomáticos e que rogavam que
fugisse, ele ficou. Estava chorando, ofegante, não queria morrer, mas pediu a
Deus que executasse a Sua vontade. Estava disposto a ir até o fim.”...
“Ao clamar ‘faça-se a Tua vontade’,
Jesus sabia que essa vontade envolveria os insondáveis sofrimentos impostos
pela crucificação. E o que era mais insuportável: para agradar o Pai, o filho
deveria amar quando odiado, incluir quando discriminado, perdoar quando
escarnecido. Tarefa que nenhum ser humano jamais realizou em qualquer foco de
tensão.
O que aconteceu com Deus no
momento em que Jesus morria? Que fenômenos atingiram a mente desse Pai que o
Filho descreveu no alto de uma montanha? Quando Jesus gemia de dor, ocorria na
psique de Deus um turbilhão emocional que conquistou uma força incontrolável e
invadiu diretamente os solos de sua supermemória. Beira o inimaginável!
Novamente pergunto: Quem mais sofreu?
O filho que morria, ou o Pai que assistia? É difícil dizer. Nenhum pai ou mãe
desejaria jamais, nem em pensamento, experimentar essa situação.
João, o discípulo que quando
andava com Jesus era jovem e inexperiente, escreveu em sua velhice algo que jamais
lhe sairá da sua mente: o Pai e o Filho cometeram loucuras de amor pela
humanidade (João 3:15).”...
“Eu fico pensando no desespero do
Deus do Pai-Nosso ao ver seu filho se contorcendo de dor. Enquanto o filho
morria fisicamente, o Pai provavelmente ’morria’ emocionalmente. As seis horas
da crucificação foram mais longas do que toda a eternidade para o Deus
onipresente.
Durante a travessia nos vales
áridos do sofrimento, Deus reeditou as matrizes da sua memória. Usou, com a
mais excelente maestria, o princípio das teorias comportamental-cognitivas.
Enquanto o seu filho morria, Ele
se expôs ao máximo aos estímulos estressantes e viu passar em sua mente o filme
contendo os erros, violências, falsidades, discriminações, agressões, ambições
cometidas pela humanidade em todas as eras.
Nunca um pai abandonou um filho
num momento extremo, ainda mais um pai amoroso. As cenas indescritíveis das
seis horas na cruz penetraram como um raio na memória sofisticadíssima de Deus,
causando um vendaval sem precedentes. Foi inesquecível.
Não consigo enxergar de outro
modo. Todas as frustrações e decepções causadas pelos seres humanos ficaram
diminutas, um grão de areia num deserto. Foi um ato de amor solene que mexeu
com fenômenos psicológicos, gerando uma revolução única no funcionamento da mente
do Autor da existência. Por isso há um texto nas escrituras em que Deus têm a
coragem de dizer ao ser humano: ‘De suas falhas jamais me lembrarei.’
Como Deus pôde esquecê-las, se
elas são tão gritantes? Para nós é impossível deletar a memória. Deus não a
deletou, Ele a reeditou. Foi um prodígio incrível. Passou a limpo o passado da
humanidade. Fez o que não seria possível a qualquer juiz ou sistema jurídico
realizar.”...
“Quando Jesus estava no ápice da
dor física e emocional, na primeira hora da cruz, ...num esforço sobre-humano
clamou:’Pai perdoa-os porque eles não sabem o que fazem.”(Lucas 23:34)
Essa frase possui uma força
incalculável. Provavelmente foi a primeira vez na história que um ser humano
mutilado e esmagado pelo sofrimento conseguiu abrir as janelas da memória, construir
pensamentos com maestria e se preocupar com as pessoas que o torturavam.
Do ponto de vista psiquiátrico,
quando alguém está ferido, o Homo bios -
o lado animal ou instintivo – prevalece sobre o Homo sapiens. Não devemos
esperar uma resposta inteligente de alguém ferido física e emocionalmente.
Einstein se irritou com os que
defendiam o princípio da incerteza da teoria quântica, dizendo “Deus não joga
dados”. Freu excluiu amigos que não pensavam como ele. Muitos pensadorews foram
mais longe. Perseguiram e ainda perseguem seus discípulos ou parceiros quando
sentem ciúmes ou são ameaçados por suas idéias. Nos focos de estresse, nosso
lado predador acorda.
Seria compreensível que Jesus
reagisse com intensa irritação, violência e ódio contra seus inimigos. Não
havia nenhuma condição intelectual para entender, desculpar e incluir seus
carrascos. Mas, esfacelando os parâmetros da lógica psicológica, ele os
defendeu diante de Deus.”...
“No fundo, toda a humanidade
estava representada por esses fariseus, bem como pelos soldados romanos.
Reitero: Jesus defendeu todos os seres humanos perante Deus.
Só faltou Jesus acrescentar o que
estava implícito: ‘Apesar de tudo eu os amo e sei que Tu os amas. Apesar de eu
estar sendo tratado como o mais vil dos homens, Tu és o Pai-Nosso. Não te
importes comigo, pensa apenas na humanidade.’ Era como se ele fosse como aquele
filho preso entre as ferragens, sangrando e queimando, mas pedindo para seu pai
não salvá-lo. Pedindo-lhe para não correr riscos por ele, mas cuidar dos outros
irmãos.
O filho chorava sem lágrimas
enquanto o Deus Altíssimo descia das alturas e curvava o seu rosto sobre a Terra,
desesperado. Eu não consigo descrever essa cena. Cada reação de dor, tremor e
asfixia do filho percorria as entranhas do ser de Deus. Ele ficava sufocado
quando Jesus não conseguia abrir seus pulmões para respirar.
Ao gritar a plenos pulmões para
Deus perdoar os seres humanos que zombavam dele e o matavam, dizendo que eles não
sabiam o que estavam fazendo, Jesus, como o mais excelente analista,
compreendeu o incompreensível.
Enquanto vivia o drama do Calvário,
mergulhou dentro de si e gerou o mais elevado autoconhecimento já atingido em
situações de estresse.”...” Ele sabia o que queria. Sua morte não foi um
suicídio. Jesus cumpria o mapa da oração do Pai-Nosso.”...
“O Pai e o filho viveram o ápice
da compaixão num momento em que qualquer ato solidário parecia inimaginável.
Percorreram as avenidas dos seus próprios seres e, ao mesmo tempo, se colocaram
no lugar dos humanos e se compadeceram de cada um deles num contexto que era
impossível pensar nos outros, apenas em si mesmos.
Amaram quem os odiou, abraçaram
quem lhes deram as costas, beijaram quem lhes cuspiu no rosto. Foram livres e
fortes, pois só os fortes são capazes de dar a outra face, só os livres têm um
romance com a vida e são apaixonados pela humanidade.”
Fonte: CURY, Augusto Jorge. Os segredos do Pai-Nosso. Ed. Sextante, 2006.
Não deixe de assistir no YOUTube - copie e cole na barra de endereços (uma linha por vez):
http://www.youtube.com/watch?v=vEABzgXZgbc
http://www.youtube.com/watch?v=49E_O9lVfaU
Fonte: CURY, Augusto Jorge. Os segredos do Pai-Nosso. Ed. Sextante, 2006.
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