O Argumento
Cosmológico Kalam – Baseado no Início do Universo
Trecho do livro: O novo ateismo e os argumentos para a existência de Deus. CRAIG, William Lane.Tradução, Revisão e Edição: Eliel Vieira, 2010.
Trecho do livro: O novo ateismo e os argumentos para a existência de Deus. CRAIG, William Lane.Tradução, Revisão e Edição: Eliel Vieira, 2010.
Aqui temos uma versão
diferente do argumento cosmológico, que eu batizei de argumento cosmológico kalam,
em homenagem ao seu criador islâmico medieval (kalam é a palavra árabe
para “teologia”):
1. Tudo o que começou
a existir tem uma causa
2. O universo começou
a existir
3. Logo, o universo
tem uma causa.
Uma vez que cheguemos
à conclusão de que o universo teve uma causa, nós podemos analisar quais
propriedades tal causa deveria ter e acessar sua significância teológica.
Novamente o argumento
é rígido. Assim, a única questão aqui é se as duas premissas são mais
plausivelmente verdadeiras do que suas negações.
Premissa
1
A premissa 1 parece
ser obviamente verdadeira – no mínimo, mais do que sua negação.
Primeiro, ela está fundamentada
na verdade necessária de nada pode começar a existir não sendo causado por
nada. Sugerir que coisas podem simplesmente surgir a todo tempo do nada é
literalmente algo pior do que mágica.
Segundo, se coisas
podem realmente vir a existir a partir do nada, então é inexplicável porque
nunca alguma coisa observável veio à existência sem causa alguma.
Terceiro, a premissa
1 é constantemente confirmada em nossa experiência quando observamos coisas que
começa a existir pela ação de causas antecedentes.
Premissa 2
A premissa 2 pode ser
sustentada tanto por argumentos filosóficos quanto por evidências científicas.
Os argumentos filosóficos visam mostrar que um regresso infinito de eventos
passados não pode existir. Em outras palavras, a série de eventos passados deve
ser finita e precisa ter tido um começo. Alguns destes argumentos tentam
mostrar que é impossível existir um número infinito de coisas; portanto, um
número infinito de eventos passados não pode existir. Outros tentam mostrar que
uma série infinita de eventos passados jamais poderia ocorrer; uma vez que uma
série de eventos passados obviamente ocorreu, então o número de eventos
passados deve ser finito.
A evidência
científica para a premissa 2 é baseada na expansão do universo e as
propriedades
termodinâmicas do universo. De acordo com o modelo do Big Bang para a
origem do universo, tanto o espaço físico quanto o tempo, juntamente com toda
matéria e energia no universo, vieram a existir em um ponto do passado cerca de
13.7 bilhões de anos atrás (Fig. 1).
Figura 1:
Representação geométrica do modelo espaço-tempo. Espaço e tempo começam na singularidade
inicial cosmológica, antes disto, literalmente nada existia.
O que torna o Big
Bang tão impressionante é que ele representa a origem do universo a partir
de nada, literalmente. Como o físico Paul Davies explica, “o surgimento do
universo, como discutido na ciência moderna [...] não é apenas uma questão
sobre impor algum tipo de organização [...] a um estado incoerente anterior,
mas trata-se literalmente do surgimento de todas as coisas físicas a partir do
nada”6.
Claro, os cosmólogos
têm proposto teorias alternativas ao longo destes anos para tentar evitar este
início absoluto, mas nenhuma destas teorias encontrou abrigo na comunidade
científica como mais plausível do que a teoria do Big Bang. Na verdade,
em 2003 Arvind Borde, Alan Guth e Alexander Vilenkin provaram que qualquer universo
que esteja em um estado de expansão cósmica não pode ter um passado eterno, mas
precisa ter um início absoluto. A prova deles permanece independentemente da
descrição física do período inicial do universo, o que ainda ilude cientistas,
e se aplica até mesmo a qualquer modelo de multiverso, do qual o nosso universo
seria apenas uma parte.
Vilenkin diz sem
rodeios:
É dito que um
argumento é o que convence os homens racionais e uma prova é o que convence até
mesmo uma pessoa irracional. Com a prova agora na mesa, os cosmólogos não podem
mais se esconder atrás da possibilidade de que o universo tem um passado
eterno.
Não há escape, eles
têm de encarar o problema do começo cósmico.7
Além do mais, em
acréscimo à evidência baseada na expansão do universo, nós temos evidências
termodinâmicas para o começo do universo. A segunda lei da termodinâmica prediz
que em um conjunto finito de tempo, o universo irá progressivamente se tornar
um lugar frio, escuro, diluído e sem vida. Mas se isto já aconteceu por causa
do tempo infinito, então o universo deveria agora estar em tal estado de
desolação. Os cientistas concluíram, então, que o universo deve ter começado a
existir em um tempo finito passado e está agora caminhando para este processo
de encerramento.
Conclusão
Segue-se logicamente
destas duas premissas que o universo teve uma causa. O proeminente filósofo
ateu Daniel Dennett concorda que o universo teve uma causa, mas ele acha que a
causa do universo foi o próprio universo! Sim, ele está falando sério! Naquilo
que ele chama de “o truque boot-strapping final”8, ele afirma
que o universo criou a si mesmo.9
A visão de Dennett
obviamente não tem sentido algum. Perceba que ele não está dizendo que o
universo é autocausado no sentido de que ele sempre existiu. Não, Dennett
concorda que o universo teve um começo absoluto, mas afirma que o universo
trouxe a si mesmo à existência. Mas isto é claramente impossível, pois para que
ele criasse a si mesmo, o universo já teria de existir. Ele teria de existir
antes que ele existisse! A visão de Dennett é assim logicamente incoerente. A
causa do universo deve ser, portanto, uma causa transcendente, além do próprio
universo.
Sendo assim, que
propriedades tal causa que gerou o universo deveria ter? Como causa do espaço e
do tempo, esta causa deve transcender espaço e tempo e, portanto, existir
eternamente e não-espacialmente (no mínimo existir à parte do universo). Esta
causa transcendente deve ser, portanto, imutável e imaterial, pois (1) qualquer
coisa que eterna deve ser imutável e (2) qualquer coisa que é imutável deve ser
não-física e imaterial, uma vez que coisas materiais mudam constantemente tanto
no nível molecular quanto no nível atômico. Esta causa não pode ter um começo e
deve ser não-causada, pelo menos no sentido de eliminar quaisquer condições
causais anteriores, uma vez que um regresso infinito de causas não pode
existir. A navalha de Ockham (o princípio de
que não deveríamos
multiplicar causas explicativas além do necessário) afastará qualquer outra causa
uma vez que apenas uma causa é requerida para explicar o efeito. Esta entidade
deve ser inimaginavelmente poderosa, se não onipotente, uma vez que ela criou o
universo sem nenhuma causa material.
Finalmente, e de
forma notável, tal causa primeira transcendente é plausivelmente pessoal. Nós
vimos em nossa discussão do argumento da contingência que a personalidade da
primeira causa do universo é implicada por causa de sua eternidade e sua
imaterialidade. As únicas entidades que se encaixam nestas propriedades são
mentes ou objetos abstratos como os números. Mas como objetos abstratos não
possuem relações causais, portanto, a causa transcendente para a origem do universo
deve ser uma mente incorpórea.10
Além do mais, a
personalidade da primeira causa também é implicada pela própria natureza do
efeito gerado, uma vez que a origem de um efeito com um começo é uma causa sem
começo.
Vimos que o início do
universo foi o efeito de uma causa primeira. Pela natureza do caso esta causa não
pode ter tido um começo para sua existência ou qualquer causa anterior. Ela
simplesmente existiu imutavelmente sem começo e em um tempo finito passado
trouxe o universo à existência.
Agora, isto é muito
peculiar. A causa está em algum sentido eterno e o efeito que ela produziu não
é eterno, começando a existir em algum tempo finito atrás. Como isto pôde
acontecer? Se as condições suficientes para o efeito são eternas, então o
efeito não deveria ser também eterno? Como pode um evento inicial vir a existir
se a causa deste evento existe imutável e eternamente? Como pode a causa
existir sem seu efeito?
Parece existir apenas
uma maneira de resolver este dilema e é dizer que a causa para o começo do
universo é um agente pessoal que livremente decidiu criar um universo no tempo.
Os filósofos chamam este tipo de efeito de “causação agente”, e uma vez que o
agente é livre, ele pode iniciar novos efeitos ao simplesmente criar condições
que não existiam anteriormente. Desta forma, o Criador pode existir imutável e
eternamente, mas escolheu criar o mundo no tempo. (“Escolha” não significa que
o Criador mudou de idéia sobre a decisão de criar, mas que ele livre e
eternamente intencionou-se em criar um mundo com um início.) Ao exercitar seu
poder causal, portanto, ele trouxe este mundo com um início à existência11.
Assim a causa é eterna, mas o efeito não é. Desta
forma, então, é
possível ao universo temporal ter sido trazido à existência por uma causa
eterna: através da livre vontade de um Criador pessoal.
Sendo assim, com base
na análise da conclusão do argumento, nós podemos, portanto,inferir que um
Criador pessoal do universo existe; que ele é não-causado, sem começo,
imutável, imaterial, eterno, não-espacial e inimaginavelmente poderoso.
Na cena filosófica
contemporânea, filósofos como Stuart Hackett, David Oderberg, Mark Nowacki e eu
temos defendido o argumento cosmolóigco kalam.12
5 Alexander Pruss, The Principle of Sufficient Reason: A
Reassessment (Cambridge Studies in Philosophy; Cambridge: Cambridge
University Press, 2006); Timothy O’Connor, Theism and Ultimate
Explanation: The Necessary Shape of Contingency (Oxford:
Blackwell, 2008); Stephen T. Davis, God, Reason, and Theistic Proofs (Reason
and Religion; Grand Rapids: Eerdmans, 1997); Robert Koons, “A New Look at the
Cosmological Argument,” American Philosophical Quarterly 34
(1997): 193–211; Richard Swinburne, The Existence of God (2nd
ed.; Oxford: Clarendon, 2004).
6 “In the Beginning: In Conversation with Paul Davies and Philip Adams”
(17 de Janeiro de 2002). .
7 Alex Vilenkin, Many Worlds in One: The Search for Other
Universes (New York: Hill and Wang, 2006), 176.
8 Bootstrapping é um termo de origem inglesa que se originou na
década de 1880 como um acessório para ajudar a calçar botas, e gradualmente
adquiriu uma coleção de significados metafóricos adicionais. O tema comum a
todos esses significados é a realização de um processo sem ajuda externa, mas
com etapas de facilitação interna. [Nota do Tradutor]
9 Daniel Dennett, Breaking the Spell: Religion as a Natural
Phenomenon (New York: Viking, 2006), 244.
10 Para uma discussão sobre a possibilidade de uma personalidade
eternal, veja meu livro Time and Eternity: Exploring God’s Relationship
to Time (Wheaton: Crossway, 2001), cap. 3.
11 Tal exercício de poder causal plausivelmente trouxe Deus para dentro
do tempo no momento da criação.
12 Stuart Hackett, The Resurrection of Theism: Prolegomena to
Christian Apology (2nd ed.; Grand Rapids: Baker, 1982); David Oderberg,
“Traversal of the Infinite, the ‘Big Bang,’ and the Kalam Cosmological
Argument,” Philosophia Christi 4 (2002): 303–34;
Mark Nowacki, The Kalam Cosmological Argument for God (Studies in
Analytic Philosophy; Amherst, NY: Prometheus, 2007); William Lane Craig and
James Sinclair, “The Kalam Cosmological Argument,” in The Blackwell
Companion to Natural Theology (ed. William Lane Craig and J. P.
Moreland; Oxford: Wiley-Blackwell, 2009), 101–201.