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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Cristianismo puro e simples de C. S. LEWIS - livro I


Nota do post: Em todo o blog Missão Berseba raramente encontramos uma seleção tão loga retirada de um livro seja em porções juntadas ou em longo trecho selecionado. Esta constante não é obedecida nesta postagem devido à grandeza das argumentações e pertinência das observações vindas através de C. S. Lewis. Acreditamos que devido à urgência e vital necessidade das pessoas conhecerem a verdade esta deve ser divulgada e não impedida por certos formalismos. Porém incentivamos aos leitores que adquiram o total da obra para se aprofundarem e refletirem em suas constatações, e editora, detentores do direito da obra e outros sejam também contemplados financeiramente. Agradecemos a compreensão de todos!

Mas vamos ao livro I da série, a começar por sua introdução:

Introdução


Este livro deve ser interpretado à luz de seu contex­to histórico. Num ato de coragem, seu autor quis con­tar histórias que curassem os corações num mundo que perdera a sanidade. Em 1942, apenas vinte e quatro anos depois do fim de uma guerra brutal que dizimara uma geração inteira de jovens, a Grã-Bretanha via-se de novo envolvida numa guerra. Dessa vez, quem sofria mais eram os seus cidadãos comuns, na medida em que a peque­na nação insular era bombardeada todas as noites por quatrocentos aviões, na blitz[1] de triste lembrança que mudou a face da guerra, transformando civis em alvos e suas cidades em fronts de batalha.
Ainda rapaz, C. S. Lewis serviu nas pavorosas trin­cheiras da Primeira Guerra Mundial e, em 1940, quando as bombas começaram a cair sobre a Inglaterra, se alistou como oficial da vigilância antiaérea e passou a dar pa­lestras para os soldados da Royal Air Force, homens que sabiam, com quase toda a certeza, que seriam dados co­mo mortos ou desaparecidos depois de apenas treze mis­sões de bombardeio. A situação deles incitou Lewis a fa­lar sobre os problemas do sofrimento, da dor e do mal. Estes trabalhos resultaram no convite da BBC para que ele fizesse uma série de programas de rádio sobre a fé crista. Ministradas de 1942 a 1944, estas conferências ra­diofónicas foram mais tarde reunidas no livro que co­nhecemos hoje como Cristianismo puro e simples.
Este livro, portanto, não é feito de especulações filo­sóficas académicas. E, isto sim, um trabalho de litera­tura oral dirigido a um povo em guerra. Quão insólito devia ser ligar o rádio — que a toda hora dava notícias de mortes e de uma destruição indescritível — e ouvir um homem falar, de forma inteligente, bem-humorada e profunda, sobre o comportamento digno e humano, sobre a conduta leal e sobre a importância da distinção entre o certo e o errado. Chamado pela BBC para expli­car aos seus conterrâneos no que os cristãos acreditavam, C. S. Lewis lançou-se à tarefa como se ela fosse a coisa mais fácil do mundo, mas também a mais importante.
Mal podemos imaginar o efeito que as metáforas utilizadas no livro tiveram sobre os ouvintes na época. A imagem do mundo como um território ocupado pelo inimigo, invadido por forças malignas que destroem tudo o que é bom, ainda hoje desperta fortes associações. Nossos conceitos de modernidade e de progresso, bem como todos os avanços tecnológicos, não bastaram para dar fim às guerras. O fato de termos declarado ob­soleta a noção de pecado não diminuiu o sofrimento humano. E as respostas fáceis — colocar a culpa na tec­nologia ou, por que não, nas religiões do mundo - não resolveram o problema. O problema, C. S. Lewis insis­tia, somos nós. A geração ímpia e perversa da qual fa­lavam milhares de anos atrás os salmistas e os profetas é também a nossa, sempre que nos submetemos a ma­les sistémicos e individuais como se não tivéssemos ou­tra alternativa.
C. S. Lewis, que certa vez foi descrito por um ami­go como um homem apaixonado pela imaginação, acreditava que a aceitação complacente do status quo era muito mais do que uma fraqueza inócua. Em Cris­tianismo puro e simples, não menos do que em suas obras de fantasia, como as Crónicas de Nárnia ou os ro­mances de ficção científica, Lewis deixa escapar sua crença profunda no poder que a imaginação humana tem de revelar a verdade oculta a respeito de nossa con­dição e de nos trazer esperança. "O caminho mais lon­go é o mais curto para chegar em casa"[2] — tal é a lógica tanto das fábulas quanto da fé.
Falando unicamente com a autoridade da expe­riência de leigo e ex-ateu, C. S. Lewis disse aos ouvintes na rádio que o motivo pelo qual fora selecionado para a missão de explicar o cristianismo para a nova geração era o de não ser ele um especialista no assunto, mas antes "um amador... e um iniciante, não uma mão calejada"[3]. Confidenciou a amigos que aceitara a tarefa porque acreditava que a Inglaterra, que passara a se considerar como parte de um mundo "pós-cristão", nunca tinha aprendido de fato, em termos simples, em que consistia a religião. Assim como Soren Kierkegaard antes dele, e de Dietrich Bonhoefifer, seu contemporâneo, Lewis bus­cou, em Cristianismo puro e simples, nos ajudar a ver a religião com novos olhos, como uma fé radical cujos par­tidários devem ser comparados a um grupo clandesti­no agrupado numa zona de guerra, num lugar onde o mal parece predominar, para ouvir mensagens de espe­rança vindas do lado livre.
O cristianismo "puro e simples" de C. S. Lewis não é uma filosofia nem mesmo uma teologia que deve ser lida, discutida e guardada na estante. E um modo de vida que nos desafia sempre a lembrar, como Lewis disse cer­ta vez, que "não existem pessoas comuns", e que "aque­les de quem fazemos troça, com quem trabalhamos ou nos casamos, os que menosprezamos ou exploramos, são todos imortais"[4]. Quando entramos em sintonia com essa realidade, crê Lewis, nos abrimos para transformar imaginativamente nossas vidas de tal forma que o mal declina e o bem triunfa. E isto que Cristo quis de nós quando tomou para si nossa humanidade, santificou nossa carne e nos pediu em troca que revelássemos Deus uns aos outros.


KATHLEEN NORRIS



Livro I

O CERTO E O ERRADO COMO CHAVES PARA A COMPREENSÃO DO SENTIDO DO UNIVERSO

1. A LEI DA NATUREZA HUMANA


...Dizem, por exemplo: "Você gostaria que fi­zessem o mesmo com você?"; "Desculpe, esse banco é meu, eu sentei aqui primeiro"; "Deixe-o em paz, que ele não lhe está fazendo nada de mal"; "Por que você teve de entrar na frente?"; "Dê-me um pedaço da sua laran­ja, pois eu lhe dei um pedaço da minha"; e "Poxa, você prometeu!" Essas coisas são ditas todos os dias por pes­soas cultas e incultas, por adultos e crianças...

Está claro que os envolvidos na dis­cussão conhecem uma lei ou regra de conduta leal, de comportamento digno ou moral, ou como quer que o queiramos chamar, com a qual efetivamente concordam. E eles conhecem essa lei. Se não conhecessem, talvez lutassem como animais ferozes, mas não poderiam "dis­cutir" no sentido humano desta palavra. A intenção da discussão é mostrar que o outro está errado. Não have­ria sentido em demonstrá-lo se você e ele não tivessem algum tipo de consenso sobre o que é certo e o que é errado, da mesma forma que não haveria sentido em marcar a falta de um jogador de futebol sem que hou­vesse uma concordância prévia sobre as regras do jogo. Ora, essa lei ou regra do certo e do errado era cha­mada de Lei Natural...

Examinemos a questão sob outro prisma. Todo ho­mem está continuamente sujeito a diversos conjuntos de leis, mas a apenas um ele é livre para desobedecer. Enquanto corpo, ele é regido pela gravitação e não pode desobedecê-la; se ficar suspenso no ar, sem apoio, fatal­mente cairá como cairia uma pedra. Enquanto organis­mo, está sujeito a diversas leis biológicas, às quais, como os animais, não pode desobedecer. Em outras palavras, o homem não pode desobedecer às leis que tem em comum com os outros seres; mas a lei própria da natureza hu­mana, a lei que não é compartilhada nem pelos animais, nem pelos vegetais, nem pelos seres inorgânicos, a esta lei o ser humano pode desobedecer, se assim quiser. Essa lei era chamada de Lei Natural porque as pes­soas pensavam que todos a conheciam naturalmente e não precisavam que outros a ensinassem. Isso, evidente­mente, não significava que não se pudesse encontrar, aqui e ali, um indivíduo que a ignorasse, assim como existem indivíduos daltônicos ou desafinados...

Sei que certas pessoas afirmam que a ideia de uma Lei Natural ou lei de dignidade de comportamento, co­nhecida de todos os homens, não tem fundamento, por­que as diversas civilizações e os povos das diversas épocas tiveram doutrinas morais muito diferentes.

Mas isso não é verdade. E certo que existem diferen­ças entre as doutrinas morais dos diversos povos, mas elas nunca chegaram a constituir algo que se asseme­lhasse a uma diferença total. Se alguém se der ao traba­lho de comparar os ensinamentos morais dos antigos egípcios, dos babilónios, dos hindus, dos chineses, dos gregos e dos romanos, ficará surpreso, isto sim, com o imenso grau de semelhança que eles têm entre si e tam­bém com nossos próprios ensinamentos morais...

Os povos discordaram a respeito de quem são as pessoas com quem você deve ser altruís­ta - sua família, seus compatriotas ou todo o género humano; mas sempre concordaram em que você não deve colocar a si mesmo em primeiro lugar. O egoísmo nunca foi admirado. Os homens divergiram quanto ao número de esposas que podiam ter, se uma ou quatro; mas sempre concordaram em que você não pode sim­plesmente ter qualquer mulher que lhe apetecer.

O mais extraordinário, porém, é que, sempre que encontramos um homem a afirmar que não acredita na existência do certo e do errado, vemos logo em segui­da este mesmo homem mudar de opinião. Ele pode não cumprir a palavra que lhe deu, mas, se você fizer a mes­ma coisa, ele lhe dirá "Não é justo!" antes que você pos­sa dizer "Cristóvão Colombo". Um país pode dizer que os tratados de nada valem; porém, no momento seguinte, porá sua causa a perder afirmando que o tratado espe­cífico que pretende romper não é um tratado justo. Se os tratados de nada valem, se não existe um certo e um errado — em outras palavras, se não existe uma Lei Na­tural -, qual a diferença entre um tratado justo e um in­justo? ...

Só estou ten­tando chamar a atenção para um fato: o de que, neste ano, neste mês ou, com maior probabilidade, hoje mes­mo, todos nós deixamos de praticar a conduta que gos­taríamos que os outros tivessem em relação a nós. Pode­mos apresentar mil e uma desculpas por termos agido assim...

Ou seja, nem sempre consigo cumprir a Lei Natural, e, quando alguém me adverte de que a descumpri, me vem à cabeça um rosário de desculpas que dá várias vol­tas ao redor do pescoço. A pergunta que devemos fazer não é se essas desculpas são boas ou más. O que impor­ta é que elas dão prova da nossa profunda crença na Lei Natural, quer tenhamos consciência de acreditar nela, quer não. Se não acreditássemos na boa conduta, por que a ânsia de encontrar justificativas para qualquer des­lize? A verdade é que acreditamos a tal ponto na decên­cia e na dignidade, e sentimos com tanta força a pressão da Soberania da Lei, que não temos coragem de encarar o fato de que a transgredimos. Logo, tentamos transfe­rir para os outros a responsabilidade pela transgressão. Perceba que é só para o mau comportamento que nos damos ao trabalho de encontrar tantas explicações. São somente as fraquezas que procuramos justificar pelo cansaço, pela preocupação ou pela fome. Nossas boas qualidades, atribuímo-las a nós mesmos.

São essas, pois, as duas ideias centrais que preten­dia expor. Primeiro, a de que os seres humanos, em todas as regiões da Terra, possuem a singular noção de que devem comportar-se de uma certa maneira, e, por mais que tentem, não conseguem se livrar dessa noção. Se­gundo, que na prática não se comportam dessa manei­ra. Os homens conhecem a Lei Natural e transgridem-na. Esses dois fatos são o fundamento de todo pensamen­to claro a respeito de nós mesmos e do universo em que vivemos...

2. ALGUMAS OBJEÇÕES
...



Volto agora ao que disse no final do primeiro capí­tulo: que a raça humana tem duas características curiosas. Em primeiro lugar, que os homens são assombrados pela ideia de um padrão de comportamento que se sentem obrigados a pôr em prática, o qual se poderia chamar de conduta leal, decência, moralidade ou Lei Natural. Em segundo lugar, que eles não o põem em prática. Al­guns de vocês podem se perguntar por que razão cha­mei de "curioso" isso que pode lhes parecer a coisa mais natural do mundo. Em especial, talvez vocês me tenham achado muito duro com a humanidade; afinal de con­tas, aquilo que chamei de transgressão da Lei do Certo e do Errado, ou da Lei Natural, significa somente que ninguém é perfeito. E por que, ó céus, esperaria eu o contrário? Essa seria uma boa resposta se tudo o que eu pretendesse fosse medir numa balança a culpa exata que cabe a cada um de nós por não nos termos portado como queremos que os outros se portem. Não é essa, porém, a tarefa que me propus. Nesta investigação, não estou preocupado com a culpa; estou tentando desco­brir a Verdade. Desse ponto de vista, a própria ideia de imperfeição, de algo que não é o que deveria ser, tem suas consequências...

A lei da gravidade nos diz o que a pedra faz quan­do cai; já a Lei da Natureza Humana nos diz o que os seres humanos deveriam fazer e não fazem. Ou seja, quando tratamos de seres humanos, existe algo além e acima dos fatos. Existem os fatos (como os homens se comportam) e também uma outra coisa (como deve­riam se comportar). No resto do universo, não há necessidade de outra coisa que não os fatos. Elétrons e mo­léculas comportam-se de determinada maneira e disso decorrem certos resultados, e talvez o assunto pare aí[5]. Os homens, no entanto, comportam-se de determina­da maneira e o assunto não pára aí, já que estamos sem­pre conscientes de que o comportamento deles deveria ser diferente.
Isso é tão singular que ficamos tentados a nos en­ganar com falsas explicações. Podemos, por exemplo, afirmar que, quando você diz que um homem não de­veria fazer o que fez, quer dizer a mesma coisa quando assevera que a pedra tem a forma errada: ou seja, que a atitude dele é inconveniente para você. Mas isso é simplesmente falso. Um homem que chega primeiro no trem e ocupa um bom assento é tão inconveniente quanto um homem que tira minha mala do assento e o ocupa sorrateiramente enquanto estou de costas. Po­rém, não culpo o primeiro homem, mas culpo o se­gundo. Não fico bravo - exceto talvez por um breve momento, até recuperar a razão - com uma pessoa que por acidente me faz tropeçar, mas ficot bravo com al­guém que tenta me fazer tropeçar de propósito, mes­mo que não consiga. Porém, foi a primeira pessoa que efetivamente me machucou, e não a segunda...

Certas pessoas dizem que, apesar de a boa condu­ta não ser o que traz vantagens para cada pessoa indi­vidualmente, pode significar o que traz vantagens para a humanidade como um todo; e, portanto, a coisa não seria tão misteriosa. Os seres humanos, no fim das con­tas, possuem algum bom senso; percebem que a segu­rança e a felicidade só são possíveis numa sociedade em que cada qual age com lealdade, e é por perceber isso que tentam conduzir-se com decência. Ora, é perfeitamente verdadeira a ideia de que a segurança e a felicidade só podem vir quando os indivíduos, as classes sociais e os países são honestos, justos e bons uns com os outros. E uma das verdades mais importantes do mundo. Ela só não consegue explicar por que temos tais e tais senti­mentos diante do Certo e do Errado. Se eu perguntar: "Por que devo ser altruísta?", e você responder: "Porque isso é bom para a sociedade", poderei retrucar: "Por que devo me importar com o que é bom para a socie­dade se isso não me traz vantagens pessoais?", ao que você terá de responder: "Porque você deve ser altruísta" - o que nos leva de volta ao ponto de partida. O que você diz é verdade, mas não nos faz avançar. Se um ho­mem pergunta o motivo de se jogar futebol, de nada adianta responder que é "fazer gois", pois tentar fazer gois é o próprio jogo, e não o motivo pelo qual o joga­mos. No final, estamos dizendo somente que "futebol é futebol" - o que é verdade, mas não precisa ser dito. Da mesma forma, se uma pessoa pergunta o motivo de se agir com decência, não vale a pena responder "para o bem da sociedade", pois tentar beneficiar a sociedade, ou, em outras palavras, ser altruísta (pois "sociedade", no fim das contas, significa apenas "as outras pessoas"), é um dos elementos da decência. Tudo o que se estará dizendo é que uma conduta decente é uma conduta de­cente...

A Lei Moral, ou Lei da Natureza Humana, não é sim­plesmente um fato a respeito do comportamento hu­mano, como a Lei da Gravidade é ou pode ser simples­mente um fato a respeito do comportamento dos ob-jetos pesados. Por outro lado, não é mera fantasia, pois não conseguimos nos desvencilhar dessa ideia; se con­seguíssemos, a maior parte das coisas que dizemos sobre os homens seria absurda. Ela também não é uma sim­ples declaração de como gostaríamos que os homens se comportassem para a nossa conveniência, pois o com­portamento que taxamos de mau ou injusto nem sempre é inconveniente, e, muitas vezes, é exatamente o con­trário. Consequentemente, essa Regra do Certo e do Er­rado, ou Lei da Natureza Humana, ou como quer que você queira chamá-la, deve ser uma Verdade - uma coisa que existe realmente, e não uma invenção huma­na. E, no entanto, não é um fato no mesmo sentido em que o comportamento efetivo das pessoas é um fato. Co­meça a ficar claro que teremos de admitir a existência de mais de um plano de realidade; e que, neste caso em particular, existe algo que está além e acima dos fatos comuns do comportamento humano, algo que no en­tanto é perfeitamente real - uma lei verdadeira, que ne­nhum de nós elaborou, mas que nos sentimos obrigados a cumprir.

4. O QUE EXISTE POR TRÁS DA LEI

...A Lei da Natu­reza Humana, ou Lei do Certo e do Errado, é algo que transcende os fatos do comportamento humano. Neste caso, além dos fatos em si, existe outra coisa - uma verdadeira lei que não inventamos e à qual sabemos que devemos obedecer.


Quero considerar agora o que isso nos diz sobre o universo em que vivemos. Desde que o homem se tor­nou capaz de pensar, ele se pergunta no que consiste o universo e como ele veio a existir. Grosso modo, dois pontos de vista foram sustentados. O primeiro deles é o que chamamos de materialista. Quem o adota afirma que a matéria e o espaço simplesmente existem e sem­pre existiram, ninguém sabe por quê. A matéria, que se comporta de formas fixas, veio, por algum acidente, a produzir criaturas como nós, criaturas capazes de pen­sar. Numa chance em mil, um corpo se chocou contra o sol e gerou os planetas. Por outra chance infinitesimal, as substâncias químicas necessárias à vida e a tempera­tura correta se fizeram presentes num desses planetas, e, assim, uma parte da matéria desse planeta ganhou vida. Depois, por uma longuíssima série de coincidências, as criaturas viventes se desenvolveram até se tornarem se­res como nós. O outro ponto de vista é o religioso[6]. Se­gundo ele, o que existe por trás do universo se assemelha mais a uma mente que a qualquer outra coisa conhecida. Ou seja, é algo consciente e dotado de objetivos e pre­ferências. De acordo com essa visão, esse ser criou o universo. Alguns dos seus desígnios são ocultos, enquanto outros são bastante claros: produzir criaturas semelhan­tes a si mesmo — quero dizer, semelhantes na medida em possuem mentes. Por favor, não pensem que um destes pontos de vista era sustentado há muito tempo e aos poucos foi cedendo lugar ao outro. Onde quer que tenha havido homens pensantes, os dois pontos de vista sem­pre apareceram de uma forma ou de outra. Notem tam­bém que, para saber qual deles é o correto, não pode­mos apelar à ciência no sentido comum dessa palavra. A ciência funciona a partir da experiência e observa como as coisas se comportam...

Quan­to mais sério for o homem de ciência, mais (no meu entender) ele concordará comigo quanto ao papel dela - papel, aliás, extremamente útil e necessário. Agora, per­guntas como "Por que algo veio a existir?" e "Será que existe algo - algo de outra espécie — por trás das coisas que a ciência observa?" não são perguntas científicas. Se existe "algo por trás", ou ele há de manter-se totalmente desconhecido para o homem ou far-se-á revelar por outros meios. A ciência não pode dizer nem que este ser existe nem que não existe, e os verdadeiros cientis­tas geralmente não fazem essas declarações. São quase sempre jornalistas e romancistas de sucesso que as pro­duzem a partir de informações coletadas em manuais de ciência popular e assimiladas de maneira imperfei­ta. Afinal de contas, tudo não passa de uma questão de bom senso. Suponha que a ciência algum dia se tornas­se completa, tendo o conhecimento total de cada mí­nimo detalhe do universo. Não é óbvio que perguntas como "Por que existe um universo?", "Por que ele con­tinua existindo?" e "Qual o significado de sua existên­cia?" continuariam intactas?

Deveríamos perder as esperanças, não fosse por um detalhe. No universo inteiro, existe uma coisa, e somen­te uma, que nós conhecemos melhor do que conhecería­mos se contássemos somente com a observação externa. Essa coisa é o Ser Humano. Nós não nos limitamos a observar o ser humano, nós somos seres humanos. Nes­se caso, podemos dizer que as informações que possuí­mos vêm "de dentro". Estamos a par do assunto. Por cau­sa disto, sabemos que os seres humanos estão sujeitos a uma lei moral que não foi criada por eles, que não con­seguem tirar do seu horizonte mesmo quando tentam e à qual sabem que devem obedecer. Alguém que estudasse o homem "de fora", da maneira como estudamos a eletricidade ou os repolhos, sem conhecer a nossa lín­gua e, portanto, impossibilitado de obter conhecimen­to do nosso interior, não teria a mais vaga ideia da exis­tência desta lei moral a partir da observação de nossos atos. Como poderia ter? Suas observações se resumiriam ao que fazemos, ao passo que essa lei diz respeito ao que deveríamos fazer. Do mesmo modo, se existe algo acima ou por trás dos fatos observados sobre as pedras ou sobre o clima, nós, estudando-os de fora, não temos a menor esperança de descobrir o que ele é.

A natureza da questão é a seguinte: queremos saber se o universo simplesmente é o que é, sem nenhuma razão especial, ou se existe por trás dele um poder que o produziu tal como o conhecemos. Uma vez que esse poder, se ele existe, não seria um dos fatos observados, mas a realidade que os produziu, a mera observação dos fenómenos não pode encontrá-lo. Existe apenas um ca­so no qual podemos saber se esse "algo mais" existe; a saber, o nosso caso. E, nesse caso, constatamos que exis­te. Ou examinemos a questão de outro ângulo. Se existis­se um poder exterior que controlasse o universo, ele não poderia se revelar para nós como um dos fatos do pró­prio universo - da mesma forma que o arquiteto de uma casa não pode ser uma de suas escadas, paredes ou larei­ra. A única maneira pela qual podemos esperar que esta força se manifeste é dentro de nós mesmos, como uma influência ou voz de comando que tente nos levar a adotar uma determinada conduta. E justamente isso que descobrimos dentro de nós. Já não deveríamos ficar com a pulga atrás da orelha? No único caso em que po­demos encontrar uma resposta, ela é positiva; nos outros, em que não há respostas, entendemos por que não po­demos encontrá-las. Suponha que alguém me pergun­tasse, acerca de um homem de uniforme azul que passa de casa em casa depositando envelopes de papel em cada uma delas, por que, afinal, eu concluo que dentro dos envelopes existem cartas. Eu responderia: "Porque sem­pre que ele deixa envelopes parecidos na minha casa, dentro deles há uma carta para mim." Se o interlocutor objetasse: "Mas você nunca viu as cartas que supõe que as outras pessoas recebam", eu diria: "E claro que não, e nem quero vê-las, porque não foram endereçadas a mim. Eu imagino o conteúdo dos envelopes que não posso abrir pelo dos envelopes que posso." O mesmo se dá aqui. O único envelope que posso abrir é o Ser Hu­mano. Quando o faço, e especialmente quando abro o Ser Humano chamado "Eu", descubro que não existo por mim mesmo, mas que vivo sob uma lei, que algo ou alguém quer que eu me comporte de determinada forma. E claro que não acho que, se pudesse entrar na existência de uma pedra ou de uma árvore, encontraria exatamente a mesma coisa, assim como não acho que as pessoas da minha rua recebam exatamente as mesmas cartas que eu. Devo concluir que a pedra, por exemplo, tem de obedecer à lei da gravidade - que, enquanto o missivista se limita a aconselhar-me a obedecer à lei da minha natureza, ele obriga a pedra a obedecer às leis de sua natureza pétrea. O que não consigo negar é que, em ambos os casos, existe, por assim dizer, esse missivista, um Poder por trás dos fatos, um Diretor, um Guia.

Não pense que estou indo mais rápido do que es­tou na realidade. Ainda não estou nem perto do Deus da teologia cristã. Tudo o que obtive até aqui é a evidên­cia de Algo que dirige o universo e que se manifesta em mim como uma lei que me incita a praticar o certo e me faz sentir incomodado e responsável pelos meus er­ros. Segundo me parece, temos de supor que esse Algo é mais parecido com uma mente do que com qualquer outra coisa conhecida — porque, afinal de contas, a úni­ca outra coisa que conhecemos é a matéria, e ninguém ja­mais viu um pedaço de matéria dar instruções a alguém. E claro, porém, que não precisa ser muito parecido com uma mente, muito menos com uma pessoa...

5. TEMOS MOTIVOS PARA NOS SENTIR INQUIETOS

Encerrei o último capítulo com a noção de que, na Lei Moral, entramos em contato com algo, ou alguém, acima do universo material. Acho que alguns leitores sentiram um certo desconforto quando cheguei a esse ponto, e pensaram, inclusive, que eu lhes preguei uma peça, embalando cuidadosamente no papel de embrulho da filosofia algo que não passa de mais uma "conversa fiada sobre religião". Talvez você estivesse disposto a me ouvir se eu tivesse novidades para contar; se, porém, tudo se resume à religião, bem, o mundo já experimentou esse caminho e não podemos voltar no tempo. Tenho três coisas a dizer para quem estiver se sentindo assim.

A primeira delas é a respeito de "voltar no tempo". Você pensaria que estou brincando se dissesse que podemos atrasar o relógio e que, se o relógio está errado, é essa a coisa sensata a fazer? Prefiro, entretanto, deixar de lado essa comparação com relógios. Todos nós que­remos o progresso. Progredir, porém, é aproximarmo-nos do lugar aonde queremos chegar. Se você tomou o ca­minho errado, não vai chegar mais perto do objetivo se seguir em frente. Para quem está na estrada errada, pro­gredir é dar meia-volta e retornar à direção correta; nes­se caso, a pessoa que der meia-voJta mais cedo será a mais avançada. Todos já tivemos essa experiência com as contas de aritmética. Quando erramos uma soma des­de o início, sabemos que, quanto antes admitirmos o engano e voltarmos ao começo, tanto antes chegaremos à resposta correta. Não há nada de progressista em ser um cabeça-dura que se recusa a admitir o erro. Penso que, se examinarmos o estado atual do mundo, é bastante óbvio que a humanidade cometeu algum grande erro. Tomamos o caminho errado. Se assim for, devemos dar meia-volta. Voltar é o caminho mais rápido.

A segunda coisa a dizer é que estas palestras ainda não tomaram o rumo de uma "conversa fiada sobre re­ligião". Não chegamos ainda no Deus de nenhuma reli­gião verdadeira, muito menos no Deus dessa religião específica chamada cristianismo. Tudo o que temos até aqui é Alguém ou Algo que está por trás da Lei Moral. Não lançamos mão da Bíblia nem das igrejas: estamos tentando ver o que podemos descobrir por esforço pró­prio a respeito deste Alguém. Quero, inclusive, deixar bem claro que essa descoberta é chocante. Temos dois indícios que dão prova desse Alguém. Um deles é o uni­verso por ele criado. Se fosse essa a nossa única pista, teríamos de concluir que ele é um grande artista (já que o universo é um lugar muito bonito), mas que também é impiedoso e cruel para com o homem (uma vez que o universo é um lugar muito perigoso e terrível). O outro indício é a Lei Moral que ele pôs em nossa mente. E uma prova melhor do que a primeira, pois co­nhecemo-la em primeira mão. Descobrimos mais coi­sas a respeito de Deus a partir da Lei Moral do que a partir do universo em geral, da mesma forma que sabe­mos mais a respeito de um homem quando conversamos com ele do que quando examinamos a casa que ele cons­truiu. Partindo desse segundo vestígio, concluímos que o Ser por trás do universo está muitíssimo interessado na conduta correta - na lealdade, no altruísmo, na co­ragem, na boa fé, na honestidade e na veracidade. Nes­se sentido, devemos concordar com a visão do cristia­nismo e de outras religiões de que Deus é "bom". Mas não vamos apressar o andar da carruagem. A Lei Mo­ral não embasa a ideia de que Deus é "bom" no sentido de indulgente, suave ou condescendente. Não há nada de indulgente na Lei Moral. Ela é dura como um osso. Exorta-nos a fazer a coisa certa e parece não se importar com o quanto essa ação pode ser dolorosa, perigosa ou di­fícil. Se Deus é como a Lei Moral, ele não tem nada de suave. De nada adianta, a esta altura, dizer que um Deus "bom" é um Deus que perdoa. Estaríamos indo depres­sa demais. Só uma pessoa pode perdoar, e não chega­mos ainda a um Deus pessoal — só a um poder que está por trás da Lei Moral e se parece mais com uma men­te do que com qualquer outra coisa. Mas ainda seria improvável dizer que se trata de uma pessoa. Caso se tra­te de uma pura mente impessoal, não há sentido algum em pedir que ela nos dê uma certa folga e nos descul­pe, da mesma forma que não há sentido em pedir que a tabuada seja tolerante com nossos erros de multiplica­ção. Nesse caminho, encontraremos a resposta errada. Tampouco adianta dizer que, se existe um Deus assim - uma bondade impessoal e absoluta -, você não pre­cisa gostar dele nem se preocupar com ele. Afinal, a ques­tão é que uma parte de nós está ao lado dele e realmente concorda com ele quando desaprova a ganância, as bai-xezas e os abusos humanos. Talvez você queira que ele abra uma exceção no seu caso e o perdoe desta vez; mas no fundo sabe que, a menos que esse poder por trás do mundo realmente deteste inabalavelmente esse tipo de comportamento, ele não pode ser bom. Por outro lado, sabemos que, se existe um Bem absoluto, ele deve detestar quase tudo o que fazemos. Este é o terrível dilema em que nos encontramos. Se o universo não é governa­do por um Bem absoluto, todos os nossos esforços es­tão fadados ao insucesso a longo prazo. Se, no entanto, ele é governado por esse Bem, fazemo-nos inimigos da bondade a cada dia e o panorama não parece dar sinais de melhora no futuro. Logo, nosso caso é, de novo, ir­remediável - inviável com ou sem ele. Deus é o nosso único alento, mas também o nosso terror supremo; é a coisa de que mais precisamos, mas também da qual mais queremos nos esconder. E nosso único aliado possível, e tornamo-nos seus inimigos. Certas pessoas parecem pensar que o encontro face a face com o Bem absoluto seria divertido. Elas devem pensar melhor no que dizem. Estão apenas brincando com a religião. O Bem pode ser o maior refúgio ou o maior perigo, dependendo de como reagimos a ele. E temos reagido mal.

Enfim, a terceira coisa que tinha a dizer. Quando decidi dar todas estas voltas para chegar a meu verda­deiro assunto, nunca tive a intenção de lhes pregar uma peça. Meu motivo foi outro: foi que o cristianismo só tem sentido para quem teve de encarar de frente os te­mas tratados até aqui. O cristianismo exorta as pessoas a se arrepender e promete-lhes o perdão. Consequente­mente (que me conste), ele não tem nada a dizer às pes­soas que não têm a consciência de ter feito algo de que devem se arrepender e que não sentem a urgência de ser perdoadas. E quando nos damos conta da existência de uma Lei Moral e de um Poder por trás dessa Lei, e percebemos que nós violamos a Lei e ficamos em dívida para com esse Poder — é só então, e nunca antes disso, que o cristianismo começa a falar a nossa língua. Quan­do você sabe que está doente, dá ouvidos ao médico. Quando perceber que nossa situação é crítica, começará a entender a respeito do que os cristãos estão falando. Eles nos oferecem uma explicação de por que nos en­contramos em nosso estado atual, de odiar o bem e tam­bém de amá-lo; de por que Deus pode ser essa mente impessoal oculta por trás da Lei Moral e, ao mesmo tem­po, uma Pessoa. Explicam que as exigências dessa lei, que nem eu nem você conseguimos cumprir, foram cum­pridas por Alguém, para o nosso bem; que Deus mes­mo se fez homem para salvar os homens de sua própria ira. E uma velha história, e se você quiser esmiuçá-la poderá consultar pessoas que, sem dúvida nenhuma, têm mais autoridade do que eu para falar dela. Tudo o que faço é pedir a todos que encarem os fatos — que compreendam as perguntas para as quais o cristianis­mo pretende oferecer respostas. Os fatos amedrontam. Gostaria de poder falar de coisas mais amenas, mas devo declarar o que penso ser a verdade. Evidentemente, pen­so que, a longo prazo, a religião cristã traz um consolo indescritível; mas ela não começa assim. Ela começa com o desalento e a consternação que descrevi, e é inútil ten­tar obter o consolo sem antes passar pela consternação. Na religião, como na guerra e em todos os outros as­suntos, o consolo é a única coisa que não pode ser al­cançada quando é buscada diretamente. Se você buscar a verdade, encontrará a consolação no final; se buscar o consolo, não terá nem o consolo nem a verdade — terá somente uma melosidade vazia que culminará em deses­pero...
[1] As informações sobre a blitz e os pilotos da Royal Air Force foram tiradas das seções dos anos 1941 e 1942 do livro Clive Staples Lewis: A Dramatic Life, de William Griffin (Holt & Rinehart, 1986), citação tirada de Cristianismo puro e simples.

[2] "The longest way round", citação tirada de Cristianismo puro e simples.

[3] "An amateur", de um colóquio radiofónico levado ao ar em 11 de janeiro de 1942. Ci­tado em Clive Staples Lewis: A Dramatic Life, citação tirada de Cristianismo puro e simples.

[4] "There are no ordinary people", citação tirada de "The Weight of Glory", sermão profe­rido por Lewis em 8 de junho de 1941 , citação tirada de Cristianismo puro e simples.

Cristianismo puro e simples de C.S. LEWIS - livro II

Nota do post: Em todo o blog Missão Berseba raramente encontramos uma seleção tão loga retirada de um livro seja em porções juntadas ou em longo trecho selecionado. Esta constante não é obedecida nesta postagem devido à grandeza das argumentações e pertinência das observações vindas através de C. S. Lewis. Acreditamos que devido à urgência e vital necessidade das pessoas conhecerem a verdade esta deve ser divulgada e não impedida por certos formalismos. Porém incentivamos aos leitores que adquiram o total da obra para se aprofundarem e refletirem em suas constatações e editora, detentores do direito da obra e outros sejam também contemplados financeiramente. Agradecemos a compreensão de todos! 



Livro II

NO QUE ACREDITAM OS CRISTÃOS

1.AS CONCEPÇÕES CONCORRENTES DE DEUS

Pediram para que eu lhes dissesse em que os cristãos acreditam, mas vou falar antes sobre uma coisa em que eles não precisam acreditar. Se você é cristão, não preci­sa acreditar que todas as outras religiões estão simples­mente erradas de cabo a rabo. Se você é ateu, é obrigado a acreditar que o ponto de vista central de todas as reli­giões do mundo não passa de um gigantesco erro. Se você é cristão, está livre para pensar que todas as religiões, mes­mo as mais esquisitas, possuem pelo menos um fundo de verdade. Quando eu era ateu, tentei me convencer de que a raça humana sempre estivera enganada sobre o as­sunto que lhe era mais caro; quando me tornei cristão, pude adotar uma opinião mais liberal sobre o assunto.

É claro, no entanto, que, pelo fato de sermos cristãos, nós temos efetivamente o direito de pensar que, onde o cristianismo difere das outras religiões, ele está certo e as outras, erradas. É como na aritmética: para uma de­terminada soma, só existe uma resposta certa, e todas as outras estão erradas; porém, algumas respostas erradas estão mais próximas da certa do que as outras.

A primeira grande divisão da humanidade se dá en­tre a maioria que acredita em alguma espécie de Deus, ou deuses, e a minoria que não acredita. Nesse ponto, os cristãos se juntam à maioria - os gregos e romanos da Antigüidade, os selvagens modernos, os estóicos, os pla­tônicos, os hindus, os maometanos etc, contra o materialismo europeu ocidental moderno.

Passo agora à grande divisão seguinte. As pessoas que acreditam em Deus podem ser agrupadas de acordo com o tipo de Deus em que acreditam. Neste assunto, existem duas concepções bem diferentes uma da outra. Uma delas é a de que ele está acima do Bem e do Mal. Nós, seres humanos, dizemos que uma coisa é má e outra é boa. De acordo com alguns, porém, esse é um mero ponto de vista humano. Essas pessoas diriam que, quanto mais sábios nos tornamos, menos nos interes­samos por classificar as coisas dessa maneira, e nos da­mos conta com clareza cada vez maior de que tudo é bom sob certo ponto de vista e mau sob outro, e que nada poderia ser diferente do que é. Em conseqüência, essas pessoas crêem que, antes mesmo de nos aproximarmos do ponto de vista divino, essa distinção desaparece to­talmente. Nós consideramos o câncer mau, diriam elas, porque ele mata pessoas; mas poderíamos igualmente chamar um cirurgião de mau porque ele mata o câncer. Tudo depende do ponto de vista. A outra idéia, oposta a esta, é de que Deus é definitivamente "bom" ou "jus­to", é um Deus que toma partido, que ama o amor e odeia o ódio, que quer que nos comportemos de uma forma e não de outra. O primeiro ponto de vista - o de um Deus acima do Bem e do Mal - é chamado panteísmo. Foi sustentado por Hegel, o grande filósofo prus­siano, e, na medida em que posso compreendê-los, pe­los hindus. O outro ponto de vista é sustentado pelos judeus, maometanos e cristãos.

Essa grande diferença entre o panteísmo e a idéia cristã de Deus normalmente traz outra a reboque. Os panteístas em geral acreditam que Deus, para usar uma metáfora, anima o universo como nós animamos o cor­po: o universo quase é Deus, de tal modo que, se o uni­verso não existisse, Deus também não existiria, pois todos os seres do universo fazem parte dele. A idéia cristã é bem diferente. Os cristãos pensam que Deus inventou e criou o universo como um homem que pinta um quadro ou compõe uma música. Um pintor não é o que ele pinta e não vai morrer se o quadro for destruído. Quando di­zemos que "ele infundiu sua alma na pintura", só que­remos dizer que a beleza e o fascínio que o quadro des­perta vieram da mente dele. A habilidade dele não está presente na tela da mesma forma que está presente em sua cabeça ou mesmo em suas mãos. Acho que você já compreendeu que a diferença entre panteístas e cristãos segue essa mesma linha. Se você não leva muito a sério a distinção entre o Bem e o Mal, é fácil dizer que qual­quer coisa que encontra no mundo é uma parte de Deus. Por outro lado, se acha que certas coisas são realmente más e Deus é realmente bom, já não pode falar dessa ma­neira. Tem de acreditar que existe uma separação entre Deus e o mundo e que certas coisas que vemos são con­trárias à sua vontade. Confrontado com o câncer ou com a miséria, o panteísta pode dizer: "Se pudéssemos ver as coisas do ponto de vista divino, nos daríamos conta de que isso também é Deus." O cristão retruca: "Não diga essa maldita asneira!"[1] O cristianismo é uma religião aguerrida. Para o cristão, Deus criou o mundo - "tirou de sua cabeça" o espaço e o tempo, o calor e o frio, todas as cores e sabores, todos os animais e vegetais, como um homem que cria uma história. Por outro lado, para o cristianismo, muitas das coisas criadas por Deus caíram no erro, e Deus insiste - aliás, de forma enfática - em co­locá-las de volta no lugar.

Com isto, é claro, surge uma pergunta difícil. Se um Deus bom criou o mundo, por que esse mundo deu errado? Por muitos anos, recusei-me a ouvir as respos­tas cristãs à pergunta, pois tinha a sensação persistente de que "o que quer que vocês digam, por mais astutos que sejam seus argumentos, não é muito mais simples e mais fácil afirmar que o mundo não foi feito por um poder dotado de inteligência? As argumentações de vo­cês não são apenas uma complicada tentativa de fugir ao óbvio?" Mas, através disso, acabei deparando com outra dificuldade.

Meu argumento contra Deus era o de que o uni­verso parecia injusto e cruel. No entanto, de onde eu tirara essa idéia de justo e injusto? Um homem não diz que uma linha é torta se não souber o que é uma linha reta. Com o que eu comparava o universo quando o cha­mava de injusto? Se o espetáculo inteiro era ruim do começo ao fim, como é que eu, fazendo parte dele, po­dia ter uma reação assim tão violenta? Um homem sen­te o corpo molhado quando entra na água porque não é um animal aquático; um peixe não se sente assim. E claro que eu poderia ter desistido da minha idéia de justiça dizendo que ela não passava de uma idéia particular minha. Se procedesse assim, porém, meu argu­mento contra Deus também desmoronaria - pois de­pende da premissa de que o mundo é realmente injusto, e não de que simplesmente não agrada aos meus capri­chos pessoais. Assim, no próprio ato de tentar provar que Deus não existe - ou, por outra, que a realidade como um todo não tem sentido -, vi-me forçado a ad­mitir que uma parte da realidade - a saber, minha idéia de justiça- tem sentido, sim. Ou seja, o ateísmo é uma solução simplista. Se o universo inteiro não tivesse sen­tido, nunca perceberíamos que ele não tem sentido - do mesmo modo que, se não existisse luz no universo e as criaturas não tivessem olhos, nunca nos saberíamos imer­sos na escuridão. A própria palavra escuridão não teria significado.


2. A INVASÃO

Pois bem, então o ateísmo é simplista. E vou lhes fa­lar de outro ponto de vista igualmente simplista que chamo de "cristianismo água-com-açúcar". De acordo com ele, existe um bom Deus no Céu e tudo o mais vai muito bem, obrigado - o que deixa completamente de lado as doutrinas difíceis e terríveis a respeito do pecado, do inferno, do diabo e da redenção. Os dois pontos de vista são filosofias pueris.

Não convém exigir uma religião simples. Afinal de contas, as coisas no mundo real são complexas. Parecem simples, mas não são. A mesa à qual estou sentado pa­rece simples, mas peça a um cientista que diga do que ela é realmente feita: você ouvirá uma longa história a respeito dos átomos e de como as ondas luminosas refle­tem-se neles e chegam ao nervo óptico, provocando um efeito no cérebro. Assim, o que chamamos de "enxergar a mesa" nos leva a mistérios e complicações aparentemen­te inesgotáveis. Uma criança que faz uma oração infantil é algo singelo. Se você estiver disposto a parar por aí, ótimo. Mas, se você não se contentar com isso (coisa que acontece bastante no mundo moderno) e quiser levar avante o questionamento sobre o que realmente acon­tece, tem de estar preparado para enfrentar dificuldades. Se exigimos algo que vá além da simplicidade, é tolice nos queixarmos de que esse algo a mais não é simples. Com muita freqüência, entretanto, esse procedi­mento tolo é adotado por pessoas que não têm nada de tolas, mas que, consciente ou inconscientemente, que­rem destruir o cristianismo. Essas pessoas apresentam uma versão da religião cristã própria para crianças de seis anos e fazem dela o objeto de seu ataque. Quando tentamos explicar a doutrina cristã tal como é entendida por um adulto instruído, elas se queixam de que estamos dando um nó na cabeça delas, de que tudo o que dize­mos é complicado demais e de que, se Deus realmente existisse, teria feiro a "religião" simples, pois a simplici­dade é bela etc. Esteja sempre em guarda contra este tipo de gente, sujeitos que trocam de argumento a cada minuto e só nos fazem perder tempo. Note o absurdo da idéia de um Deus que "faz uma religião simples": co­mo se a "religião" fosse algo inventado por Deus, e não a sua afirmação de certos fatos inalteráveis a respeito de sua própria natureza.

A experiência me diz que a realidade, além de com­plicada, é quase sempre estranha. Não é precisa, nem óbvia, nem previsível. Por exemplo, quando você des­cobre que a Terra e os outros planetas giram em torno do Sol, pensa naturalmente que todos os planetas de­vem se comportar da mesma maneira, que são separa­dos por distâncias iguais ou distâncias que aumentam proporcionalmente, ou que devem aumentar ou dimi­nuir de tamanho à medida que se afastam do Sol. No en­tanto, não encontramos nem métrica nem método (que possamos compreender) nos tamanhos ou nas distâncias. Além disso, alguns planetas possuem uma lua; outros, quatro; alguns, nenhuma; e um planeta tem um anel.

A realidade, com efeito, é algo que ninguém poderia adivinhar. Este é um dos motivos pelo qual acredito no cristianismo. E uma religião que ninguém poderia adi­vinhar. Se ela nos oferecesse o tipo de universo que es­peraríamos encontrar, eu acharia que ela havia sido in­ventada pelo homem. Porém, a religião cristã não é nada daquilo que esperávamos; apresenta todas as mudanças inesperadas que as coisas reais possuem. Deixemos de lado, portanto, todas as filosofias pueris e suas respostas simplistas. O problema não é nada simples, e a respos­ta tampouco.

E qual é o problema? E um universo cheio de coi­sas evidentemente más e aparentemente sem sentido, mas que ao mesmo tempo contém criaturas como nós, que têm a consciência dessa maldade e desse absurdo. Existem só dois pontos de vista que conseguem con­templar todos esses fatos. Um deles é o cristianismo, se­gundo o qual estamos num mundo bom que se perdeu, mas que ainda assim conserva a memória de como de­veria ser. O outro ponto de vista chama-se dualismo. Dualismo é a crença de que, na raiz de todas as coisas, há duas forças iguais e independentes, uma delas boa, a outra má. O universo é o campo de batalha no qual travam uma guerra sem fim. Creio que, ao lado do cris­tianismo, o dualismo é a crença mais viril e sensata exis­tente no mercado. Porém, traz em si uma armadilha.

Os dois poderes, ou espíritos, ou deuses - o bom e o mal - são tidos como independentes um do outro. Ambos existem eternamente. Nenhum deles gerou o ou­tro, nenhum deles tem mais direito que o outro de cha­mar a si mesmo de "Deus". Cada um deles, presumi­velmente, considera a si mesmo o Bem, e ao outro, o Mal. Um deles aprecia o ódio e a crueldade; o outro, o amor e a misericórdia; e cada qual sustenta sua própria visão das coisas. No entanto, o que temos em mente quando chamamos um deles de Poder Benigno, e o outro, de Poder Maligno? Talvez queiramos dizer simplesmen­te que preferimos um ao outro — como alguém pode preferir uma cerveja a um vinho doce; ou então queira­mos dizer que o que quer que cada um deles pense a seu respeito, e independentemente de nossas preferên­cias humanas imediatas, um deles está efetivamente er­rado, enganado ao se considerar benigno. Ora, se tudo o que queremos dizer é que preferimos o primeiro po­der, temos de desistir definitivamente dessa conversa de Bem e de Mal, pois o Bem é aquilo que devemos preferir quaisquer que sejam os nossos sentimentos momentâ­neos. Se "ser bom" significasse apenas aderir ao lado que por acaso nos agrada, o Bem não mereceria ser chama­do assim. Logo, o que queremos dizer é que um dos po­deres está errado, enquanto o outro está certo.

Mas no momento em que dizemos isto, insere-se no universo um terceiro fator, distinto dos outros dois poderes: uma lei, ou padrão, ou regra geral do Bem à qual o primeiro poder se submete, e o outro, não. Se os dois poderes são julgados por esse padrão, então o próprio padrão ou o Ser que o criou está além e acima de qual­quer um dos poderes. E ele o Deus verdadeiro. Na rea­lidade, quando dizemos que um poder é bom e o outro é mau, entendemos que um está em relação harmonio­sa com o Deus verdadeiro e supremo, e o outro, não.

O mesmo argumento pode ser apresentado de ou­tra maneira. Se o dualismo é real, o poder maligno deve ser um ente que ama o Mal pelo Mal. Na realidade, po­rém, não encontramos ninguém que aprecie o Mal só porque é o Mal. O mais próximo disso seria a crueldade. Mas, na vida real, as pessoas são cruéis por um de dois motivos: por sadismo, ou seja, por causa de uma perver­são sexual que faz da dor um objeto de prazer sensual, ou pela busca de algum benefício externo - dinheiro, poder, segurança. O prazer, o dinheiro, o poder e a se­gurança, considerados em si mesmos, são coisas boas. A maldade consiste em tentar obtê-los pelos métodos errados, ou de forma errada, ou em excesso. Não quero dizer, de modo algum, que não sejam terrivelmente per­versas as pessoas que agem assim. Digo apenas que a perversidade, quando a examinamos de perto, revela-se como um jeito errado de buscar o Bem. Podemos deci­dir ser bons por amor à própria bondade, mas não po­demos ser maus por amor à maldade. Podemos agir de forma bondosa mesmo quando não nos sentimos bon­dosos e não há uma recompensa para agir assim; a bonda­de é simplesmente a atitude correta. Ninguém, no en­tanto, é cruel simplesmente porque a crueldade é má; só o é porque ela lhe parece agradável ou lhe é útil. Em outras palavras, a maldade não consegue sequer ser má como a bondade é boa. A bondade, por assim dizer, é ela mesma, ao passo que a maldade é apenas o Bem per­vertido. E, para que haja uma perversão, é preciso que antes haja uma perfeição. Chamamos o sadismo de per­versão sexual, mas, para chamá-lo assim, temos de ter a idéia de uma sexualidade normal. Conseguimos distin­guir claramente um do outro porque a perversão pode ser explicada pela normalidade, mas a normalidade não pode ser explicada pela perversão. Segue-se que o Po­der Maligno, que supostamente está em pé de igualdade com o Poder Benigno e ama o Mal pelo Mal como aque­le ama o Bem pelo Bem, não passa de um bicho-papão. Para ser mau, ele tem de querer algo de bom e buscá-lo da forma errada: tem de ter impulsos originariamente bons para depois pervertê-los. Mas, se é mau, não pode fornecer a si mesmo nem as coisas boas e desejáveis nem os bons impulsos passíveis de perversão. Tem de receber ambos do Poder Benigno. Nesse caso, não é independen­te. Faz parte do mundo do Poder do Bem: ou foi gerado por este, ou por um poder superior a ambos.

Vamos colocar o assunto de forma mais clara ainda. Para que seja mau, esse poder tem de existir e ter inte­ligência e vontade. Ora, a existência, a inteligência e a vontade são, em si mesmas, coisas boas. Logo, esse po­der tem de receber essas qualidades do Poder do Bem: mesmo para ser mau, tem de emprestá-las ou roubá-las do seu opositor. Você começa a perceber agora por que o cristianismo sempre disse que o diabo é um anjo caí­do? Isto não é apenas uma historieta para crianças. E o reconhecimento real do fato de que o Mal é um para­sita, não um ente original. As forças que fazem com que o Mal possa subsistir foram dadas pelo Bem. Todas as coisas que propiciam que um homem mau seja efetiva­mente mau são, em si mesmas, qualidades: resolução, esperteza, boa aparência, a própria existência. E por cau­sa disso que o dualismo, a rigor, não funciona.

Devo admitir, por outro lado, que o verdadeiro cristianismo (o qual não deve ser confundido com o cristianismo água-com-açúcar) é bem mais próximo do dualismo do que as pessoas imaginam. Uma das coisas que me surpreenderam quando pela primeira vez li a sério o Novo Testamento são as menções freqüentes a uma Força Negra em ação no universo — um poderoso espírito maligno, causa principal da morte, da doença e do pecado. A diferença é que o cristianismo pensa que essa Força Negra foi criada por Deus e que no momento da criação era benigna, tendo-se perdido depois. O cris­tianismo concorda com o dualismo em que o universo está em guerra, mas discorda que seja uma guerra en­tre forças independentes. Considera-a antes uma guer­ra civil, uma rebelião, e afirma que vivemos na parte do universo ocupada pelos rebeldes.

Um território ocupado pelo inimigo — assim é este mundo. O cristianismo é a história de como o rei por direito desembarcou disfarçado em sua terra e nos cha­ma a tomar parte numa grande campanha de sabota­gem. Quando você vai à igreja, na verdade vai receber os códigos secretos mandados pelos nossos amigos: não é por outro motivo que o inimigo fica tão ansioso para nos impedir de freqüentá-la. Ele apela à nossa vaidade, preguiça e esnobismo intelectual. Sei que alguém vai me perguntat: "Você quer mesmo, na época em que vi­vemos, trazer de novo à baila a figura do nosso velho amigo, o diabo, com seus chifres e seu rabo?" Bem, o que a "época em que vivemos" tem a ver com o assunto, não sei. Quanto aos chifres e ao rabo, não faço muita questão deles. Quanto ao mais, porém, minha resposta é "sim". Não afirmo conhecer coisa alguma sobre a apa­rência pessoal do diabo, mas, se alguém realmente qui­sesse conhecê-lo melhor, eu diria a essa pessoa: "Não se preocupe. Se você realmente quiser travar relações com ele, vai conseguir. Se vai gostar ou não da experiência, isso é outro assunto."

3. A ALTERNATIVA ESTARRECEDORA

Os cristãos acreditam, portanto, que um poder ma­ligno se alçou, por enquanto, ao posto de Príncipe des­se Mundo. E inevitável que isso levante alguns proble­mas. Esse estado de coisas está de acordo com a vontade de Deus ou não? Se a resposta for "sim", você dirá que esse Deus é bastante esquisito. Se for "não", como pode acontecer algo que contrarie a vontade de um ser dotado de poder absoluto?

Quem quer que tenha exercido um papel de auto­ridade, no entanto, sabe que algo pode estar de acordo com sua vontade por um lado e em desacordo por outro. É bastante sensato que a mãe diga a seus filhos: "Não vou mandá-los arrumar o quarto de brinquedos toda noite. Vocês têm de aprender a fazer isso sozinhos." Quan­do, certa noite, ela encontra o quarto todo bagunçado, com o urso de pelúcia, as canetinhas e o livro de gramá­tica espalhados pelo chão, isso contraria a sua vontade; afinal, ela preferia que os filhos fossem mais organiza­dos. Por outro lado, foi a sua vontade que permitiu que as crianças ficassem livres para deixar o quarto desorgani­zado. A mesma questão surge em qualquer regimento, sindicato ou escola. Quando algo é opcional, metade das pessoas não o cumprirá. Não era isso que queríamos, mas nossa vontade o tornou possível.

Provavelmente, o mesmo acontece no universo. Deus criou coisas dotadas de livre-arbítrio: criaturas que po­dem fazer tanto o bem quanto o mal. Alguns pensam que podem conceber uma criatura que, mesmo desfru­tando da liberdade, não tivesse possibilidade de fazer o mal. Eu não consigo. Se uma coisa é livre para o bem, é livre também para o mal. E o que tornou possível a existência do mal foi o livre-arbítrio. Por que, então, Deus o concedeu? Porque o livre-arbítrio, apesar de possibi­litar a maldade, é também aquilo que torna possível qualquer tipo de amor, bondade e alegria. Um mundo feito de autômatos — criaturas que funcionassem como máquinas - não valeria a pena ser criado. A felicidade que Deus quis para suas criaturas mais elevadas é a fe­licidade de estar, de forma livre e voluntária, unidas a ele e aos demais seres num êxtase de amor e deleite ao qual os maiores arroubos de paixão terrena entre um ho­mem e uma mulher não se comparam. Por isso, essas criaturas têm de ser livres.

E claro que Deus sabia o que poderia acontecer se a liberdade fosse usada de forma errada. Aparentemente, ele achou que valia a pena correr o risco. Talvez quei­ramos discordar dele. Existe, porém, um empecilho para se discordar de Deus. Ele é a fonte da qual vem toda a nossa faculdade de raciocínio: não podemos estar certos e ele, errado, assim como uma onda não pode mudar o sentido da maré. Quando discutimos com ele, esta­mos na verdade discutindo contra o próprio poder que nos tornou capazes de discutir: é como se cortássemos o galho no qual estamos sentados. Se Deus pensa que o estado de guerra no universo é um preço justo a pagar pelo livre-arbítrio - ou seja, pela criação de um mundo vivaz no qual as criaturas podem fazer tanto um grande bem quanto um grande mal, no qual acontecem coisas realmente importantes, em vez de um mundo de mario­netes que só se movem quando ele puxa as cordinhas -, devemos igualmente consentir que o preço é justo.

Quando compreendemos a questão do livre-arbítrio, vemos o quanto é tolo perguntar o que alguém certa vez me perguntou: "Por que Deus criou um ser de ma­téria tão corrompida, condenando-o ao erro?" Quanto melhor for a matéria da qual for feita uma criatura -quanto mais ela for inteligente, forte e livre -, tanto me­lhor será ela quando tender para o certo, e tanto pior quando tender para o errado. Uma vaca não pode ser nem muito boa, nem muito má; um cachorro já pode ser um pouco melhor ou um pouco pior; uma criança pode ser ainda melhor ou pior; um homem comum, ainda melhor ou pior; um homem de gênio, melhor ou pior ainda; um espírito sobre-humano, melhor - ou pior — do que todos os demais.

Como pôde o Poder das Trevas ter caído no erro? Para essa pergunta, sem dúvida, nós, seres humanos, não conseguimos formular uma resposta com absoluta cer­teza. Podemos, entretanto, oferecer um palpite razoável (e tradicionalmente aceito) baseado em nossas próprias experiências de erro. No momento em que possuímos um ego, temos a possibilidade de nos colocar em pri­meiro lugar - de querer ser o centro de tudo — de que­rer, na verdade, ser Deus. Esse foi o pecado de Satanás, e foi esse o pecado que ele ensinou à raça humana. Cer­tas pessoas julgam que a queda do homem teve algo a ver com o sexo, mas estão enganadas. (A história con­tada no Livro do Gênesis sugere, isto sim, que nossa na­tureza sexual foi corrompida após a queda, como uma conseqüência desta, e não uma causa.) O que Satanás colocou na cabeça dos nossos remotos ancestrais foi a idéia de que poderiam "ser como deuses" — poderiam bastar-se a si mesmos como se fossem seus próprios cria­dores; poderiam ser senhores de si mesmos e inventar um tipo de felicidade fora e à parte de Deus. Dessa ten­tativa, que não pode dar certo, vem quase tudo o que chamamos de história humana: o dinheiro, a miséria, a ambição, a guerra, a prostituição, as classes, os impé­rios, a escravidão - a longa e terrível história da tenta­tiva do homem de descobrir a felicidade em outra coisa que não Deus.

A razão pela qual essa tentativa não pode ser bem-sucedida é a seguinte: Deus nos criou como um ho­mem inventa uma máquina. Um carro é feito para ser movido a gasolina. Deus concebeu a máquina humana para ser movida por ele mesmo. O próprio Deus é o com­bustível que nosso espírito deve queimar, ou o alimento do qual deve se alimentar. Não existe outro combustível, outro alimento. Esse é o motivo pelo qual não podemos pedir que Deus nos faça felizes e ao mesmo tempo não dar a mínima para a religião. Deus não pode nos dar uma paz e uma felicidade distintas dele mesmo, porque fora dele elas não se encontram. Tal coisa não existe.

Essa é a chave da história humana. Despende-se uma energia incrível, erguem-se civilizações, concebem-se excelentes instituições, mas algo sempre dá errado. Uma falha fatal sempre permite que as pessoas mais egoístas e cruéis subam ao poder, trazendo a derrocada, a des­graça e a ruína. A máquina, em outras palavras, emper­ra, Ela parece engrenar bem e rodar por alguns metros, mas então se quebra. Tentamos fazê-la funcionar com o combustível errado. E isso que Satanás fez para nós, seres humanos.


E o que Deus fez? Em primeiro lugar, nos deu uma consciência, o sentido do certo e do errado. Ao longo da história, certas pessoas tentaram obedecê-la (algumas, com muito esforço); nenhuma delas conseguiu obede­cê-la totalmente. Em segundo lugar, enviou à raça hu­mana o que chamo de "sonhos bons": as histórias extraor­dinárias espalhadas por todas as religiões pagãs sobre um deus que morre e ressuscita e que, por sua morte, dá nova vida ao homem. Em terceiro lugar, Ele escolheu um certo povo e, por séculos a fio, martelou na cabeça desse povo que tipo de Deus ele era, que não havia ou­tro fora dele e que ele exigia a boa conduta. Esse povo foi o povo judeu, e o Antigo Testamento nos dá a nar­rativa de como foi esse martelar.

O verdadeiro choque vem depois. Entre os judeus surge, de repente, um homem que começa a falar como se ele próprio fosse Deus. Afirma categoricamente per­doar os pecados. Afirma existir desde sempre e diz que voltará para julgar o mundo no fim dos tempos. Deve­mos aqui esclarecer uma coisa: entre os panteístas, como os indianos, qualquer um pode dizer que é uma parte de Deus, ou é uno com Deus, e não há nada de muito es­tranho nisso. Esse homem, porém, sendo um judeu, não estava se referindo a esse tipo de divindade. Deus, na sua língua, significava um ser que está fora do mundo, que criou o mundo e é infinitamente diferente de tudo o que criou. Quando você entende esse fato, percebe que as coisas ditas por esse homem foram, simplesmente, as mais chocantes já pronunciadas por lábios humanos.

Há um elemento do que ele afirmava que tende a passar despercebido, pois o ouvimos tantas vezes que já não percebemos o que ele de fato significa. Refiro-me ao perdão dos pecados. De todos os pecados. Ora, a me­nos que seja Deus quem o afirme, isso soa tão absurdo que chega a ser cômico. Compreendemos que um ho­mem perdoe as ofensas cometidas contra ele mesmo. Você pisa no meu pé, ou rouba meu dinheiro, e eu o per­dôo. O que diríamos, no entanto, de um homem que, sem ter sido pisado ou roubado, anunciasse o perdão dos pisões e dos roubos cometidos contra os outros? Pre­sunção asinina é a descrição mais gentil que podemos dar da sua conduta. Entretanto, foi isso o que Jesus fez. Anunciou ao povo que os pecados cometidos estavam perdoados, e fez isso sem consultar os que, sem dúvida alguma, haviam sido lesados por esses pecados. Sem hesitar, comportou-se como se fosse ele a parte interessada, como se fosse o principal ofendido. Isso só tem sentido se ele for realmente Deus, cujas leis são trans­gredidas e cujo amor é ferido a cada pecado cometido. Nos lábios de qualquer pessoa que não Deus, essas pa­lavras implicam algo que só posso chamar de uma im­becilidade e uma vaidade não superadas por nenhum outro personagem da história.

No entanto (e isto é estranho e, ao mesmo tempo, significativo), nem mesmo seus inimigos, quando lêem os evangelhos, costumam ter essa impressão de imbeci­lidade ou vaidade. Quanto menos os leitores sem pre­conceitos. Cristo afirma ser "humilde e manso", e acre­ditamos nele, sem nos dar conta de que, se ele fosse so­mente um homem, a humildade e a mansidão seriam as últimas qualidades que poderíamos atribuir a alguns de seus ditos.

Estou tentando impedir que alguém repita a rema­tada tolice dita por muitos a seu respeito: "Estou dispos­to a aceitar Jesus como um grande mestre da moral, mas não aceito a sua afirmação de ser Deus." Essa é a úni­ca coisa que não devemos dizer. Um homem que fosse somente um homem e dissesse as coisas que Jesus dis­se não seria um grande mestre da moral. Seria um lu­nático - no mesmo grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido — ou então o diabo em pessoa. Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. Você pode querer calá-lo por ser um louco, pode cuspir nele e matá-lo co­mo a um demônio; ou pode prosternar-se a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas que ninguém venha, com paternal condescendência, dizer que ele não pas­sava de um grande mestre humano. Ele não nos deixou essa opção, e não quis deixá-la.

4. O PENITENTE PERFEITO

Somos confrontados, então, com uma alternativa assustadora. Ou esse homem de quem estamos falando era (e é) o que dizia ser, ou era um lunático ou coisa pior. Ora, parece-me óbvio que ele não era nem um lunático nem um demônio; conseqüentemente, por mais estra­nho, assustador ou insólito que pareça, tenho de aceitar a idéia de que ele era, e é, Deus. Deus chegou sob for­ma humana no território ocupado pelo inimigo.

Agora, qual o sentido disso tudo? O que ele veio fazer aqui? Bem, veio ensinar, é claro. No entanto, assim que começamos a examinar o Novo Testamento ou qualquer outro escrito cristão, descobrimos que eles falam constan­temente de algo bem diferente: falam de sua morte e ressurreição. É evidente que os cristãos julgam estar aí o ponto central da história. Acreditam que Jesus veio à Terra especificamente para sofrer e ser morto.

Ora, antes de me tornar cristão, eu tinha a impres­são de que a primeira coisa em que os cristãos tinham de acreditar era uma teoria particular sobre o propósito dessa morte. De acordo com essa teoria, Deus queria castigar os homens por terem desertado e se unido à Grande Rebelião, mas Cristo se ofereceu para ser puni­do em lugar dos homens, e Deus não nos puniu. Hoje admito que nem mesmo essa teoria me parece mais tão imoral e pueril quanto me parecia, mas não é essa a ques­tão que me ocupa. O que vim a perceber mais tarde é que o cristianismo não é nem essa teoria nem nenhuma outra. A principal crença cristã é que a morte de Cristo de algum modo acertou nossas contas com Deus e nos deu a possibilidade de começar de novo. As teorias so­bre como isso ocorreu são outro assunto. Várias teorias foram formuladas a esse respeito; o que todos os cristãos têm em comum é a crença na eficácia dessa morte. Vou lhes dizer o que penso do assunto. Toda pessoa de juí­zo sabe que, quando estamos cansados e famintos, um prato de comida nos fará bem. Já a teoria moderna da nutrição, com suas vitaminas e proteínas, é coisa bem di­ferente. As pessoas já comiam para sentir-se bem muito antes de ouvir falar de vitaminas...

Do meu ponto de vista, o que se pede que aceite­mos não são as teorias. Sem dúvida, muitos de vocês já leram os trabalhos de Jeans ou de Eddington[2]. O que eles fazem, quando tentam explicar o átomo ou coisa parecida, é nos dar uma descrição a partir da qual po­demos elaborar uma imagem mental. Em seguida, nos advertem de que não é nessas imagens que de fato acre­ditam, mas sim numa fórmula matemática. As imagens só existem para nos ajudar a compreender a fórmula.

Não são verdadeiras como a fórmula é verdadeira; não representam a realidade, mas algo que se lhe assemelha. Têm a função de ajudar; se não ajudam, podem ser deixadas de lado. A realidade em si não pode ser repre­sentada em imagens, só pode ser expressa em termos matemáticos. Estamos numa situação parecida. Acredi­tamos que a morte de Cristo é o ponto exato da história no qual algo externo a nós, absolutamente inimaginá­vel, se manifestou em nosso mundo. Se não consegui­mos nem mesmo fazer uma imagem dos átomos que compõem esse mundo, é claro que não conseguiremos imaginar essa realidade superior. Aliás, se nos constatás­semos capazes de compreendê-la integralmente, esse fato por si só mostraria que ela não é o que afirma ser - o inconcebível, o incriado, algo de fora da natureza que penetra nela como um raio. Você talvez pergunte de que isso nos serve se não podemos compreendê-lo. A resposta, porém, é fácil. Um homem pode jantar sem saber exatamente de que modo os alimentos o nutrem. Da mesma forma, pode aceitar a obra de Cristo sem en­tender como ela funciona; aliás, é certo que, para enten­dê-la, tem de aceitá-la primeiro.

Dizem-nos que Cristo morreu por nós, que sua mor­te nos lavou de nossos pecados e que, morrendo, ele destruiu a própria morte. Essa é fórmula. Esse é o cris­tianismo. E nisso que acreditamos...

Em que tipo de "buraco" caíra o homem? Ele pro­curara ser auto-suficiente e se comportara como se per­tencesse a si mesmo. Em outras palavras, o homem decaído não é simplesmente uma criatura imperfeita que precisa ser melhorada; é um rebelde que precisa depor as armas. Depor as armas, render-se, pedir perdão, dar-se conta de que tomou o caminho errado, estar disposto a começar uma vida nova do zero — só isso pode nos "tirar do buraco". Esse processo de rendição, movimen­to de marcha a ré a toda velocidade, é o que o cristia­nismo chama de arrependimento. Mas, veja só, o arre­pendimento não é nada agradável. E bem mais difícil que simplesmente engolir um sapo. Significa desapren­der toda a presunção e a obediência à vontade própria que nos foram incutidas por milhares de anos; signifi­ca matar uma parte de si mesmo e submeter-se a uma espécie de morte. Na verdade, só um homem bom pode arrepender-se. E isso nos leva a um paradoxo. Só uma pessoa má precisa do arrependimento, mas só uma pes­soa boa consegue arrepender-se perfeitamente. Quan­to pior você é, mais precisa do arrependimento e me­nos é capaz de arrepender-se. A única pessoa capaz de arrepender-se perfeitamente seria uma pessoa perfeita - e não precisaria fazê-lo em absoluto.

Lembre que esse arrependimento, essa entrega vo­luntária à humilhação e a um tipo de morte não é algo que Deus exige de nós para que nos aceite de volta ou algo do qual pode nos livrar, se assim decidir. É simples­mente uma descrição de como é o próprio retorno a Deus. Se pedimos que ele nos aceite sem esse arrepen­dimento, estamos na verdade pedindo para voltar sem voltar. Não é possível. Pois muito bem, temos de nos arrepender. Entretanto, a maldade que nos faz precisar disso nos impede de fazê-lo. Será que podemos arre­pender-nos se Deus nos ajudar? Sim, mas o que signi­fica essa ajuda? Significa que Deus, por assim dizer, co­loca um pouco de si mesmo em nós. Empresta-nos um pouco da sua razão e assim nos tornamos capazes de pensar; nos dá um pouco do seu amor e, dessa maneira, amamos uns aos outros. Quando ensinamos uma crian­ça a escrever, seguramos-lhe a mão, ajudando-a a dese­nhar as letras. Ou seja, ela só pode formar as letras por­que nós as formamos. Nós amamos e raciocinamos porque Deus ama e raciocina e, enquanto isso, segura a nossa mão. Se não tivéssemos caído, tudo iria de vento em popa. Infelizmente, em nosso estado atual, precisa­mos da ajuda de Deus para fazer algo que, pela sua pró­pria natureza, ele nunca faz: render-se, sofrer, subme­ter-se e morrer. A natureza divina não condiz em nada com esse processo. A estrada em que mais precisamos ser guiados por Deus é uma estrada que Deus, em sua própria natureza, nunca trilhou. Deus só pode partilhar conosco o que tem; mas ele não tem essas coisas em sua própria natureza.

Suponha, no entanto, que Deus se torne homem. Suponha que nossa natureza humana seja amalgamada com a divina na forma de uma pessoa. Essa pessoa pode­ria nos ajudar. Poderia submeter-se à vontade de Deus, sofrer e morrer, porque seria um ser humano. Poderia fazer tudo isso perfeitamente, porque concomitante­mente seria Deus. Você e eu só podemos percorrer esse processo se Deus o fizer ocorrer em nós; mas Deus só pode fazê-lo se for um homem. Assim como nosso pen­samento só pode ir adiante por ser uma gota tirada do oceano da inteligência divina, assim também nossa ten­tativa de morrer só dá certo se participarmos da morte de Deus. Porém, só podemos participar dessa morte se ele morrer; e ele só pode morrer se for um homem. E nesse sentido que ele paga as nossas dívidas e sofre por nós aquilo que, por sua própria natureza, não precisa­ria sofrer de modo algum.

Certas pessoas se queixam de que, se Jesus foi ao mesmo tempo Deus e homem, seus sofrimentos e sua morte não têm valor nenhum, "pois tudo isso foi fácil para ele". Outras pessoas podem (com toda razão) pro­testar veementemente contra a ingratidão e a grosseria dessa objeção. O que me deixa espantado é a incom­preensão que ela revela. Em certo sentido, os adeptos dessa objeção não só têm razão como mesmo foram tí­midos em explorar a idéia. A submissão perfeita, o so­frimento perfeito e a morte perfeita não foram somente mais fáceis para Jesus porque ele era Deus; só foram possíveis porque ele era Deus. Mas não será essa uma ra­zão muito estranha para não aceitar essa submissão, esse sofrimento e essa morte? O professor é capaz de ajudar as crianças a formar as letras porque é adulto e sabe es­crever. Evidentemente, para o professor é fácil escrever, e é essa mesma facilidade que o habilita a ajudar a crian­ça. Se ele fosse rejeitado com a desculpa de que essa ta­refa "é fácil para adultos", e a criança quisesse aprender a escrever com outra criança igualmente analfabeta (o que anularia qualquer vantagem "injusta"), o progresso dela não seria lá muito rápido. Se eu estivesse me afo­gando numa corredeira, um homem que tivesse um dos pés solidamente plantado na margem do rio poderia estender a mão e salvar-me a vida. Será que eu deveria (entre um engasgo e outro) gritar: "Não! Isso não é jus­to! Você tem uma vantagem! Ainda está com um dos pés em terra firme!"? A vantagem — chame-a de "injus­ta", se quiser — é o único motivo pelo qual esse homem me pode ser útil. Em quem buscaremos socorro, senão em alguém mais forte do que nós?

Essa é minha própria maneira de ver o que os cris­tãos chamam de Expiação. Lembre-se, porém, de que se trata apenas de mais uma imagem, que não deve ser confundida com a realidade. Se ela não lhe for útil, dei­xe-a de lado.

5.A CONCLUSÃO PRÁTICA
...

[1] Um ouvinte queixou-se do uso da palavra damned (maldita), que seria uma imprecação le­viana. Mas eu quis dizer literalmente o que disse: uma asneira maldita é a que sofre a mal­dição de Deus e que (exceto pela graça divina) leva à morte eterna os que nela acreditam.

[2] Provável menção aos astrônomos ingleses Arthur Stanley Eddington (1882-1944) e James Hopwood Jeans (1877-1946). (N. do R. T.)

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Sempre ao nosso lado

Aquele com quem caminhamos

Durante a Grande Depressão, um jovem se retirou desesperado de um banco, depois de ver negado o empréstimo necessário para salvar sua empresa. Na saída, esbarrou em Henry Ford. Percebendo o seu olhar angustiado, Ford perguntou o que o afligia. O rapaz contou que todos os bancos que visitara tinham rejeitado seu pedido de empréstimo. Ford disse simplesmente: “Venha comigo.”

Os dois andaram um pouco mais até chegar a outro banco. Dessa vez, quando abriram a porta, Henry abraçou o rapaz por um breve instante. Depois, chamou-o pelo nome e disse num tom de voz alto o bastante para que todos no banco o ouvissem: “Vamos nos encontrar em breve.” Em seguida, sussurrou para o jovem: “Vá até o gerente pedir seu empréstimo.” O rapaz murmurou: “Mas nada mudou.” Henrry sorriu e disse: “Uma coisa de fato mudou. O gerente o viu comigo e, acredite, meu jovem, isso é tudo de que você precisava.”

Obviamente, o gerente logo convidou o rapaz para entrar em sua sala e concedeu o empréstimo na hora.
Um único encontro mudou a vida daquele jovem. Meu relacionamento com Jesus fez a mesma coisa por mim, após um único encontro. Até aquele dia, em 1964, eu considerava Jesus alguém totalmente ligado à religião. Mas, naquela noite, ele se tornou um amigo pessoal que estendeu a mão e disse: “Venha comigo.” A partir daquele momento, Jesus se tornou meu melhor amigo, meu mentor, meu guia e muito, muito mais.




Extraido do livro: SCOTT, K. Steven. Jesus, o homem mais sábio que já existiu. Um exemplo que pode nos ajudar a alcançar a felicidade e o sucesso. Ed. Sextante, 2010.